Para deixar de morar de favor, Lilia Aparecida, 28 anos, decidiu comprar um imóvel na planta na região do Itaquera, zona leste de São Paulo, em 2010, pela construtora Mudar — ex-patrocinadora de um quadro do programa Domingo Legal, do SBT.
Lilia, que é analista de departamento pessoal, planejava morar no apartamento novo em 2011, junto com o pai, que está com Mal de Alzheimer.
Pouco antes da data da entrega do imóvel, contudo, a construtora informou que o prazo iria aumentar. A data foi postergada mês a mês, até que o prédio parou de ser construído em 2012, na fase final de acabamento.
Com a interrupção, não só os mutuários ficaram sem os imóveis, como as unidades foram ocupadas por sem-teto."Moro de favor. A qualquer momento podem pedir para eu sair e não terei mais para onde ir com o meu pai", diz Lilia, que deu R$ 18 mil de entrada e teme não reaver o dinheiro.
Ao procurar a empresa, a analista descobriu que foi pedida a falência da construtora no Rio de Janeiro no início de março — o estopim para a mutuária decidir entrar com ação na Justiça. "Acabou com a minha vida. Achei que seria uma boa oportunidade para eu mudar de vida, como ela [a empresa] mostrava na televisão, mas acabei perdendo tudo", avalia.
Falência de construtoras
Casos como o de Lilia não são isolados. A quantidade de construtoras que faliram ou fecharam as portas em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais tem crescido nos últimos cinco anos.
Minas Gerais apresenta a situação mais grave. De acordo com a Junta Comercial, a alta foi de 150% — 118 construtoras fecharam [número que inclui falências] em 2008, contra 295 no ano passado.
No Rio de Janeiro, enquanto 128 construtoras fecharam as portas em 2008, em 2013 esse número aumentou para 162 — uma alta de 26,5%, informa a Junta Comercial.
Em São Paulo, o número de falências de construtoras aumentou de dois casos em 2012, para três em 2013. Em relação a 2010, o número manteve-se igual, segundo a Junta Comercial do Estado de São Paulo.
O pior ano em termos de quebra de construtoras foi em 2011, quando sete construtoras pediram falência no Estado.
De acordo com Marcelo Tapai, advogado especialista em questões imobiliárias e presidente do Comitê de Habitação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), a Mudar tem obras inacabadas em São Paulo, Rio de Janeiro e Maranhão — todas com foco em mutuários de baixa renda.
O que deve ser feito
"A única coisa que os mutuários podem fazer caso não receberam o dinheiro é se organizar em assembleia e formar uma comissão de compradores para questionar e comandar o andamento das obras", explica o advogado.
Processar a companhia por danos morais e materiais é alternativa também, mas o pagamento só ocorrerá após a ordem de preferência da Justiça. Ou seja, depois de trabalhadores e impostos — o que pode não compensar para o mutuário (confira 7 dicas de como se proteger no quadro abaixo).
A auxiliar contábil Raquel Nascimento, de 31 anos, entrou com ação por danos morais e materiais contra a Mudar, após comprar imóvel no bairro do Butantã, zona oeste de São Paulo, em 2011, e até hoje não ver a construção avançar do primeiro andar.
Falência de construtoras em São Paulo
Quantidade de empresas que fecharam as portas desde 2011
Fonte: Jucesp
"É uma grande frustração ter perdido R$ 15 mil e o sonho do imóvel próprio. Tinha casamento marcado em 2012, mas acabei casando no ano seguinte para morar de aluguel", recorda.
Procurada pelos telefones informados no site e por e-mail, a Mudar não se manifestou.
Já o Siqueira Castro Advogados, que cuidava da construtora, deixou de atender a conta por falta de pagamento. Por este motivo, segundo Fábio Kurtz, sócio da empresa, o escritório pediu falência da Mudar no Rio de Janeiro há 20 dias. "Agora, o juiz é quem vai decidir o futuro da construtora", afirma ele.
O famoso caso da falência da Encol
O caso mais famoso de falência de construtoras foi o da Encol, em Goiânia. A construtora pediu concordata em 1997 e teve a falência decretada, deixando 710 prédios inacabados e 42 mil mutuários sem os imóveis.
Sem previsão de receber indenização da empresa, muitos mutuários decidiram assumir a construção dos imóveis, formando associações para dar continuidade às obras.
Segundo Caroline Machado Ferreira, advogada responsável pela massa falida, a falência da construtora está em sua fase final.
"Vamos levantar os débitos trabalhistas para depois ver se sobra dinheiro para pagar o dinheiro dos mutuários", afirma ela.
O contador Arnaldo Barata, de 49 anos, comprou um apartamento da Encol em 1996, no Ipiranga, zona sul de São Paulo. Com a falência da construtora, ele e outros moradores tiveram de formar uma comissão para pedir alvará para outra construtora terminar as obras do prédio.
Resultado: o imóvel só foi entregue em 2010. "Morei com parentes, de aluguel e até cheguei a comprar outro imóvel. Tive três endereços diferentes até o meu apartamento ficar pronto", recorda o contador.
De acordo com o mutuário, o processo contra a construtora foi movido coletivamente e não houve pedido de danos morais e materiais.
"Só queria que meu imóvel ficasse pronto porque já tinha pago 50% dele [hoje, o apartamento vale R$ 850 mil]. Quando a empresa quebrou, fiquei a ver navios", retrata o contador.
Como se prevenir da falência de construtoras
1- Averbar o registro de promessa de compra e venda à matrícula
|
2- Conferir no contrato se existe patrimônio de afetação (ele desvincula o imóvel do patrimônio da empresa)
|
3- Checar o histórico da construtora no Procon e em sites de defesa do consumidor
|
4- Conferir a saúde financeira da construtuora antes de fechar negócio
|
5- Buscar um advogado para auxiliá-lo na leitura do contrato
|
6- Conferir o andamento de outras obras da construtora
|
7- Conversar com mutuários de outros empreendimentos
|
Fontes: Tapai Advogados e Associação Nacional dos Mutuários